Segundo São Bernardo, Deus encheu Maria
com todas as graças para que por seu intermédio recebam os homens todos
os bens que lhes são concedidos. Faz aqui o Santo uma profunda
reflexão, acrescentando: Antes do nascimento da Santíssima Virgem, não
existia para todos essa torrente de graças, porque não havia ainda esse
desejado aqueduto: Maria foi dada ao mundo – continua
ele – a fim de que por seu intermédio, como por um canal, até
nós corresse sem cessar a torrente das graças divinas.
Que lhe arrebentassem os aquedutos, foi a
ordem dada por Holofernes para tomar a cidade de Betúlia (Jt 7, 6).
Assim o demônio também envida todos os esforços para acabar com a
devoção à Mãe de Deus nas almas. Pois, cortado esse canal de graças, mui
fácil se lhe torna a conquista. Consideremos, portanto, continua São
Bernardo, com que afeto e devoção quer o Senhor que honremos esta nossa
Rainha. Consideremos o quanto deseja que a ela sempre recorramos e em
sua proteção confiemos. Pois em suas mãos depositou a plenitude de todos
os bens, para nos tornar cientes de que toda esperança, toda graça,
toda salvação, a nós chegam pelas mãos dela. A mesma coisa declara Santo
Antônio. Todas as misericórdias dispensadas aos homens lhes
têm vindo por meio de Maria.
É por isso Maria comparada à lua.
Colocada entre o sol e a terra, a lua dá a esta o que recebe daquele,
diz São Boaventura; do mesmo modo recebe Maria os influxos da graça para
no-los transmitir aqui na terra.
Pelo mesmo motivo chama-lhe a Igreja
“porta do Céu”. Como todo indulto do rei passa pela porta de seu
palácio, observa São Bernardo, assim também graça nenhuma desce do céu à
terra sem passar pelas mãos de Maria. Ajunta São Boaventura que Maria
é chamada porta do céu porque ninguém pode entrar no céu, senão pela
porta que é Maria.
Nesse sentimento confirma-nos São
Jerônimo no sermão da Assunção, que vem inserido nas suas obras. Nele
lemos que em Jesus Cristo reside a plenitude da graça, como na cabeça,
de onde se transfunde para nós, que somos seus membros, o vivificador
espírito dos auxílios divinos necessários à nossa salvação. Em Maria
reside a mesma plenitude como no pescoço, pelo qual passa esse espírito
para comunicar-se ao resto do corpo. Com cores mais vivas dá São
Bernardo o mesmo pensamento: Por meio de Maria transmitem-se aos fiéis,
que são o corpo místico de Jesus Cristo, todas as graças da vida
espiritual emanadas de Jesus Cristo, que lhes é cabeça. E com as
seguintes palavras procura confirmar isto: Tendo-se Deus dignado habitar
no ventre desta Virgem Santíssima, adquiriu ela uma certa jurisdição
sobre todas as graças: porque, saindo Jesus Cristo do seu ventre
sacrossanto, dele saíram juntamente como de um oceano celeste todos os
rios das divinas dádivas. Escrevendo com maior clareza ainda, diz o
Santo: A partir do momento que esta Virgem Mãe concebeu em seu ventre o
Divino Verbo, adquiriu, por assim dizer, um direito especial sobre os
dons que nos provêm do Espírito Santo, de tal modo que criatura
alguma recebe graças de Deus, senão por mãos de Maria.
Lê-se no profeta Isaías (11, 1) que da
raiz de Jessé sairia uma haste, isto é, Maria, e dela, uma flor, isto é,
o Verbo Encarnado. Sobre essa passagem tece Conrado de Saxônia este
belo comentário: “Todo aquele que desejar obter a graça do Espírito
Santo, busque a flor em sua haste, isto é, Jesus em Maria. Pois pela
haste encontraremos a flor e pela flor chegaremos a Deus. – Se queres
possuir a flor, procura com orações inclinar a teu favor a vara da flor e
alcançá-la-ás. De outro lado, nota-te as palavras do seráfico São
Boaventura, comentando o trecho “Eles encontraram a criança com Maria,
sua Mãe”. Ninguém, diz ele, achará jamais a Jesus senão com Maria e por
meio de Maria. E conclui que em vão procura Jesus quem não
procura achá-lo com sua Mãe. Dizia por isso São Ildefonso:
Quero ser servo do Filho; mas como ninguém pode servir ao Filho sem
servir também a Mãe, esforço-me, por conseguinte, em servir a Maria.
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